Associação das ideias
(Dictionnaire des sciences philosophiques, 2ª ed. Paris, 1875. Verbete Association des idées. Traduzido do francês pela equipe do GEAK)
Quando um viajante percorre as ruínas de Atenas, o campo de Roma, os campos de Farsalos1 ou de Maratona, a vista desses lugares ilustres acorda em seu espírito a lembrança dos grandes homens que viveram ali e dos acontecimentos que ali se passaram.
Quando um filósofo, um astrônomo ou um físico ouvem pronunciar os nomes de Descartes, de Copérnico ou de Galileu, seu pensamento imediatamente se reporta às descobertas devidas a esses gênios imortais. Se o retrato de um amigo ou de um parente que perdemos está sob nossos olhos, as virtudes, a afeição dessa pessoa querida se retratam em nossa alma e renovam a dor que sua perda nos causou. Às vezes, mesmo em meio a uma conversa, uma palavra que parecia indiferente, uma alusão deslocada, são suficientes para provocar o despertar repentino de um sentimento ou de uma ideia que pareciam adormecidos; eis porque o alcance das palavras é o primeiro preceito da arte de conversar.
Esses exemplos, que poderíamos facilmente multiplicar, revelam um dos fatos mais curiosos do espírito humano, uma de suas leis mais notáveis: a propriedade de que gozam nossos pensamentos de buscarem-se reciprocamente. Essa propriedade é conhecida sob o nome de associação ou ligação das ideias; de alguma forma ela é, na ordem intelectual, o que a atração é na ordem material: do mesmo modo que os corpos se atraem, as ideias se despertam, e esse segundo fenômeno não parece ser menos geral, nem menos abrangente que o primeiro.
Por pouco que observemos com atenção a maneira que um pensamento é chamado por um outro, torna-se evidente que esse chamado não é fortuito, como pode parecer ao olhar distraído, mas liga-se às relações secretas das duas concepções. Hobbes, citado por Dugald-Stewart (Élém. de la Phil. de l’esprit hum., trad. do inglês por P. Prévost, in-8, t. I, p. 162, Genebra, 1808), fornece-nos um exemplo notável. Um dia ele assistia a uma conversação sobre as guerras civis que se desenrolavam na Inglaterra, quando um dos interlocutores pergunta quanto valia o último romano. Essa questão inesperada parecia ter surgido por um capricho do azar, e ser perfeitamente estranha ao assunto da conversa; todavia, refletindo melhor sobre ela, Hobbes não tarda a descobrir o que a havia sugerido. Por um progresso rápido e quase imperceptível, o movimento da conversação havia trazido a história da traição que entregou Charles 1º a seus inimigos; essa lembrança havia trazido a história de Jesus-Cristo, igualmente traído por Judas, e a soma de trinta dinheiros, preço desta última traição, oferecera-se por si mesma ao espírito do interlocutor.
Frequentemente, relações mais fáceis de reconhecer unem entre si nossas ideias, porque são mais diretas. Como seu número é infinito, não pretendemos lhes dar uma enumeração completa; limitar-nos-emos a citar as principais: a duração, o lugar, a semelhança, o contraste, as relações de causa e efeito, do meio e do fim, do princípio e da consequência, do signo e da coisa significada.
A Duração
1º Do ponto de vista da duração, os acontecimentos são simultâneos ou sucessivos. Uma associação de ideias, fundada sobre a simultaneidade é o que torna os sincronismos tão cômodos no estudo da história. Dois fatos que ocorreram na mesma época se ligam em nosso espírito, e, desde que a lembrança de um nos toca, ela sugere o outro. César faz pensar em Pompeu, Francisco 1º em León X, Louis XIV nos escritores célebres que seu reino produziu. Outras ligações repousam sobre uma relação de sucessão que nos permite percorrer todos os termos de uma longa série, desde que um único nos seja presente. Nossa memória pode assim descer ou subir o curso dos acontecimentos que preenchem as idades; pode, também, conservar e reproduzir uma sequência de palavras na ordem em que elas forem se oferecendo ao espírito; o que chamamos aprender de cor não é outra coisa.
O Espaço
2º Que muitos objetos estejam contíguos no espaço e formem, por assim dizer, um só, ou bem que estejam separados e simplesmente se avizinhem, sua relação local introduz uma outra ideia naquelas que lhes correspondem. Um país lembra os países limítrofes; uma paisagem esquecida deixa de o ser, quando traçamos um de seus pontos de vista. Aí está todo o segredo da chamada memória local. Tal é também uma das fontes da viva emoção que a vista dos lugares ilustres produz na alma. Demos, acima, exemplos que nos permitem não mais insistir sobre esse ponto.
A Semelhança
3º O poder da semelhança, como elemento de ligação entre os pensamentos, aparece nas artes, em que as obras-primas, pura imitação de um modelo ausente ou de uma ideia imaginária nos toca como o faz a realidade. Esse mesmo poder é o princípio da metáfora e da alegoria, e em geral de todas as figuras que supõem uma troca de ideias análogas. Ele se encontra mesmo em uma porção de jogos de palavras como os trocadilhos, e principalmente as piadas; uma paridade acidental de consonância entre dois termos que não têm o mesmo significado inspira essas tiradas tão caras aos espíritos levianos.
O Contraste
4º Frequentemente pensamos uma coisa e dizemos outra que lhe é contrária, e mesmo assim somos compreendidos. Assim, em Andrômaca, Orestes rende graças ao céu por sua desgraça, que leva sua esperança. Os poetas deram às Fúrias o nome de Eumênides, ou de boas deusas. O mar Negro, funesto aos navegadores, era chamado pelos antigos de Pont-Euxin, ou mar hospitaleiro. Essas antífrases ou ironias, transição de uma ideia à ideia oposta, são efeito de uma associação fundada sobre o contraste. Os pensamentos contrários têm a propriedade de despertarem-se mutuamente, como os pensamentos que se assemelham; a noite faz pensar no dia, a saúde na doença, o bem no mal. Um fato assim tão simples ninguém ignora.
As relações de Causa e Efeito
5º A vida privada e a ciência têm numerosos exemplos da maneira com que nossas ideias podem unir-se segundo as relações de causa e efeito: assim, a obra nos lembra o obreiro, e reciprocamente; o pai nos faz pensar nos filhos, e os filhos em seu pai. É por efeito de uma relação análoga que o espetáculo do Universo excita na alma o sentimento da Divindade; não podemos contemplar uma obra tão maravilhosa, sem que imediatamente, por um impulso irresistível, a inteligência se dirija para seu autor.
Do Meio e do Fim
6º Nossas conjecturas sobre as intenções de nossos semelhantes, os julgamentos criminais nos casos de premeditação, a prática das artes e da indústria, são tantas provas da facilidade com a qual passamos da noção de um objetivo aos meios próprios a atingi-lo, e reciprocamente. Um projeto se revela a nós, antes de ser realizado, pelos atos que lhe preparam a execução; e se, por exemplo, um desconhecido entra num apartamento forçando-lhe a porta, cada um suporá que ele veio para roubar. Em verdade, a indução tem grande parte nesses julgamentos, pois ela lhe determina o fato capital, que é a afirmação; no entanto, aqui a afirmação tem por objeto uma relação que supõe, ela própria, dois termos. Ora, o que é que coloca esses dois termos em presença, o que sugere que tal ato tem tal objetivo, e que tal fim pode ser atingido por tais meios, senão a associação das ideias?
Do Princípio e da Consequência, do Signo e da Coisa Significada
7º Para apreciar o papel e a fecundidade das últimas relações assinaladas, os do princípio à consequência, do signo à coisa significada, basta uma simples observação: um é a condição do raciocínio, o outro é a condição da linguagem. Que o espírito cesse de ter suas ideias unidas de maneira a descobrir facilmente o particular no geral e o geral no particular, que seria da faculdade de raciocinar? Que nos seja interdito de ir, seja de um signo qualquer aos secretos pensamentos dos quais ele é a expressão, o que seria do poder da palavra e do gesto, e da preciosa arte de escrever?
Todos os elementos de associação que percorremos, admitindo que não são os únicos, podem, segundo Hume (Essais philosophiques, ess. III), ser reduzidos a três principais: a semelhança, a contiguidade de tempo ou de lugar e a causalidade. Uma observação engenhosa e mais sólida, talvez, que pertence ao Sr. Cardaillac (Étud. élém. de Phil., in-8, t. II, p. 217, Paris, 1830), é que a simultaneidade é a condição comum de todas as outras relações; com efeito, duas ideias não podem unir-se por um laço qualquer, se não nos forem apresentadas todas as duas ao mesmo tempo.
Como todas as faculdades do espírito, a associação está submetida à influência de diferentes causas que lhe modificam profundamente o exercício e as leis. A primeira dessas causas é a constituição que cada um de nós recebeu da natureza. Unidas pelos laços do contraste e da analogia, as concepções do poeta se traduzem, à sua revelia, por assim dizer, em imagens e em metáforas; mas os pensamentos do matemático, fatalmente dispostos segundo relações de consequência à princípio, teriam sempre formado uma sequencia regular e sábia, ainda mesmo quando ele jamais tivesse estudado a geometria. Há assim entre os espíritos diferenças originais que todo o poder da arte e do trabalho não pode nem explicar, nem abolir inteiramente. Todos os homens têm um pendor mais ou menos enérgico que os leva, desde tenra idade, a unir suas ideias de uma certa maneira de preferência a uma outra, e é em parte daí que provém a variedade das vocações.
A vontade exerce, talvez, um império menos absoluto que a organização, mas também incontestável. Reid observa engenhosamente que nós fazemos com nossos pensamentos como um grande príncipe faz com os cortesãos que se apresentam quando ele se levanta: saúda a um, sorri ao outro, direciona uma questão a um terceiro; um quarto é honrado com uma conversação particular; o maior número se vai assim como veio; assim, entre os pensamentos que se oferecem a nós, muitos nos escapam, mas retemos aqueles que nos apraz considerar, e os dispomos na ordem que julgamos ser a melhor. Esse império da vontade é o fundamento da mnemotecnia, é a arte de aliviar a memória, que consiste em unir nossos conhecimentos aos objetos mais próprios a no-los lembrar.
Enfim, entre os elementos que devem entrar na associação, é preciso ainda colocar a vivacidade das impressões, sua duração, sua frequência, a época mais ou menos distante em que foram produzidas. Não vemos sem horror a arma que nos privou de um amigo, nem os lugares que testemunham a sua morte: uma arma diferente e outros lugares não nos tocam. Um dia que frequentemente trouxe desgraças, é chamado nefasto; a véspera e o dia seguinte não têm nome.
Se a associação das ideias está submetida à influência da maioria dos outros princípios de nossa natureza, ela própria reage com força contra as causas que a modificam, e exerce um império secreto e contínuo sobre o espírito e sobre o coração do homem.
Entre as ligações que se podem estabelecer entre nossos pensamentos, muitos, acidentais e irregulares, se formam ao acaso por um capricho da imaginação. Podemos citar, entre outros, aqueles que sugerem a semelhança, o contraste e as relações de tempo e de lugar. São eles que, em parte, fazem o charme da conversação, que espalham a variedade, a graça e a jovialidade. Toda conversa com nossos semelhantes seria uma tarefa árdua se não espalhassem um pouco de variedade no curso ordinário de nossas concepções. Todavia, quando as buscamos mais do que convém, eis o que certamente acontece: como elas são mais que todos os outros independentes da vontade, impedem que sejamos senhores de nossos pensamentos. Longe de governar, o espírito é governado. A vida intelectual transforma-se em uma espécie de devaneio incoerente, em que brilham impulsos alegres, alguns clarões de imaginação, mas que flutua no risco, sem unidade e sem regra. A desordem dos pensamentos reage sobre o caráter; os sentimentos são volúveis, a conduta leviana e inconsequente; todas as faculdades, tornadas rebeldes ao poder voluntário, se enfraquecem ou se transviam.
Há outras associações mais estreitas e menos arbitrárias que supõem um esforço sistemático de atenção: as ligações fundadas sobre relações de causa e efeito, de meio e fim, de princípio e consequência. Estas últimas engendram, ao longo do tempo, a fadiga e o tédio por não sei que uniformidade desesperante; mas, por outro lado, quando se tornaram hábito, dão ao espírito império sobre si mesmo e regularidade. Ele adquire essa continuidade nas ideias e essa profundeza metódica de onde resulta a aptidão para as ciências. O julgamento sendo reto, também o é o caráter; o encadeamento rigoroso nas concepções dá mais peso à conduta, mais solidez aos sentimentos; tudo o que o espírito ganha, aproveita também ao coração.
Além dessa influência geral sobre a inteligência e o caráter, a associação tem um papel essencial em muitos fenômenos da natureza humana. Ela é, sem contradita, não direi somente uma das partes, mas a própria lei e o princípio criador da memória; porque, percorrendo a variedade infinita de nossas lembranças, não encontraremos uma única que não tenha sido despertada por uma outra lembrança ou por uma percepção presente. Ele explica também porque nos lembramos de mais bom grado das formas, das cores, dos sons, ou de um princípio e sua consequência, uma causa e seus efeitos; porque a memória é presente, fácil e fiel para uns, lenta e infiel para outros; essas variedades, fundadas sobre a marcha das concepções ou sobre a diferença de seus objetos, dependem das relações que estabelecemos entre nossos pensamentos, e da maneira que eles se buscam.
Se é verdade, como se tem repetido mil vezes, que a imaginação, ainda mesmo que ela se afaste muito da realidade, não cria, no verdadeiro sentido da palavra, e limita-se a combinar, ora caprichosamente, ora com regra e medida, elementos emprestados, está claro que, a exemplo da memória, ela tem seu princípio na associação. É a propriedade que as ideias têm de se buscar e se unir que nos permite evocá-las e juntá-las à vontade; que coloca à disposição do pintor todos os elementos de seus quadros; que traz em abundância, sob a pluma do poeta, os pensamentos bizarros ou sublimes; que fornece ao romancista todos os traços com que ele compõe as aventuras fabulosas de seus heróis; que sugere ao cientista as hipóteses brilhantes e as úteis descobertas.
Uma vez que a associação é um dos elementos do poder de imaginar, ele deve encontrar-se necessariamente em todos os fatos que dependem mais ou menos desse poder, como o devaneio, a loucura, os sonhos. Aqui não é o lugar de descrever esses diversos fenômenos, que exigiriam, cada um, um estudo aprofundado e desenvolvimentos extensos. Basta observar que em suas diferenças profundas, à parte as causas que podem produzi-los diretamente, eles não são senão sequências de pensamentos formados por associação.
Como último exemplo do poder da associação, indicaremos a maioria de nossos pendores secundários. Que o homem deseje a verdade, o poder, a união com seus semelhantes, a dignidade desses bens que são elementos de seu destino, é motivado à busca ou a torna necessária. Todavia, a possessão das riquezas, objeto das cobiças do avaro, não conta entre os fins de nossa natureza; elas valem apenas pelas ideias que ligamos a elas, como símbolos dos bens verdadeiros, ou como meios de obtê-los. Por que esse amor que sentimos pela terra e a pátria? Porque nascemos ali, fomos ali educados, e encerra tudo o que nos é caro: nossos parentes, nossos amigos, nossos benfeitores, os objetos de nosso culto e de nosso amor. Essas lembranças da infância, da família e da religião, despertadas pelo solo natal, comovem docemente a alma, e comunicam sua atração por um canto de terra isolado na superfície do globo. Quantas antipatias e afeiçoes estranhas à natureza têm assim por causa uma relação quase sempre fortuita entres duas ideias!
Não é aqui o lugar para criticar sistemas que explicam, pela associação das ideias, alguns dos princípios fundamentais da razão: por exemplo aquele de Hume, que quer, por esse meio, dar conta do princípio de causalidade; contentar-me-ei em apreciar em poucas palavras a opinião de Reid e de alguns outros filósofos que acreditaram poder fazer entrar a associação de ideias nos hábitos. Se, como o afirma o Sr. Cardaillac, partidário dessa opinião (Étud. élém. de Phil., t. II, p. 121), o hábito é a propriedade que têm os fenômenos interiores de se buscarem um ao outro, a associação das ideias aí entra sem dúvida. Todavia, a palavra hábito tem um sentido mais comum na linguagem filosófica, em que designa, em geral, uma disposição produzida na alma pela frequente repetição dos mesmos atos. Ora, nós vemos bem como ligações de ideias, que são frequentemente repetidas, se formarão no futuro mais facilmente, e, tornadas, por assim dizer, uma segunda natureza, mudarão nosso caráter e a aparência do nosso espírito; no entanto, a propriedade em virtude da qual tiveram lugar pela primeira vez, nos parece um fato perfeitamente distinto e independente do hábito. O poder do hábito pode fortificá-la, mas não a cria assim como dela não decorre. Numa palavra, a associação das ideias nos parece uma lei primitiva e irresistível do espírito humano, um fato do qual não dependem todos os fatos psicológicos, mas que explica um grande número deles.
A associação das ideias é do número dos fenômenos intelectuais mais antigamente observados, como o provam algumas palavras de Aristóteles, no capítulo segundo de seu Traité de la Réminiscence [Tratado da Reminiscência], mas não foi objeto de um estudo aprofundado senão nos tempos modernos. Sem falar de Hobbes, que se deteve sobre o tema apenas ocasionalmente, a lista dos filósofos que dele se ocuparam seriamente é bem considerável. Citaremos somente: Locke, Essais sur l’Entendement humain, liv. II, ch. XXIII. - Hume, Essais philosophiques, ess. III. - Hartley, Observations on man, 2 vol. in-8, Londres, 1749. - Reid, Essais sur les Fac. intell., t. IV, ess. IV. - Dugald-Stewart, Élém. de la Phil. de l’esprit humain, t. II, ch. v, p. 1 et suiv. da tradução francesa acima citada. - Thomas Brown, Lectures on the Philosophy of the human mind, 4 vol. in-8, Édimb. 1827, lect. XXXIII et sq. - De Cardaillac, Études élémentaires de Philosophie, t. II, edição citada. - Damiron, Psychologie, in-8, Paris, 1837, t. I, p. 196. - P. M. Mervoyer, Étude sur l’association des idées, in-8, Paris, 1864. - J. St. Mill., Logic, t. II. - Betolaud, de Consociationibus idearum, in-4, Paris, 1826. - Gratacap, Théorie de la Mémoire, Paris, 1866, in-8.
1 A Batalha de Farsalos [fr. Pharsale] foi uma batalha decisiva da Segunda Guerra Civil da República Romana. (N.T)