Vaidade, vaidoso, vão (defeito)
(Do Dictionnaire des facultés intellectuels et affectives de l’âme, 1er volume. Paris, 1849. Traduzido do francês pela equipe do GEAK)
Vão, vaidoso, vaidade (defeito). – A vaidade é o desejo de ocupar os outros de si, pela ostentação de certas vantagens reais, ou supostas, mas em geral frívolas ou estranhas àqueles que delas se prevalece. Respira apenas exclusão e preferências, exigindo tudo e nada oferecendo, ela é sempre iníqua. (J.-J. Rousseau.)
A vaidade é um produto da fraqueza humana; é a paixão das almas pequenas, uma espécie de onda sobre a qual sobem as mediocridades para elevar-se à altura daqueles que têm uma grandeza real.
Bem diferente do orgulho que vive dele mesmo, da satisfação que lhe proporcionam qualidades verdadeiras ou falsas, a vaidade vive do exterior, toma sua pastagem nos olhos, na atenção dos homens. Ela mendiga olhares, elogios, distinções; ela se ostenta para ser vista. Por essa razão o vaidoso ocupa mais espaço que os outros; ele se pavoneia, se exibe aos olhares: é o pavão que se exibe com complacência e se realiza com os elogios que recebe.
Na verdade, por vezes a vaidade imita a modéstia, mas vemo-la mostrar-se perfurando essa falsa aparência. Sócrates a percebia através de todos os mantos de Antístenes; sem ela, Diógenes teria deixado seu tonel. Algumas vezes a vaidade também ostenta-se no crime, tamanha é a corrupção do coração. O celerado se vangloria de seus vícios, e nessas tocas onde estão empilhados aqueles que a sociedade repele de seu seio, vemos o mais criminoso, o mais ousado contar com orgulho seus horríveis feitos. Não vemos todos os dias entre nós jovens devassos a se gabar de suas conquistas, e por vezes ultrajar, por imputações mentirosas, a virtude das mulheres que os rechaçaram?
A vaidade se demonstra e se apresenta de muitas maneiras: “Primeiramente, em nossos pensamentos e conversas privadas, que são quase sempre mais que vãos, frívolos e ridículos, nos quais, no entanto, consumimos grande tempo sem nos darmos conta. Entramos nessa situação, ali nos alojamos e dela saímos imperceptivelmente, o que é dupla vaidade e grande inadvertência de si. Um, caminhando em uma sala, de certa maneira mede seus passos nos ladrilhos ou no assoalho; esse outro discorre longamente, em pensamento e com atenção, como se comportaria se fosse rei, papa, ou outra coisa que ele sabe que jamais poderá ser; assim, comprazem-se de vento, e ainda menos que de vento, porque de coisas que não existem e jamais existirão. Um outro pensa fortemente, de forma afetada, como comporá seu corpo, sua postura, suas palavras, e se compraz ao fazê-lo, como algo que muito lhe convém e com o que todos devem comprazer-se.
O homem vão se compraz tanto de falar do que é seu quanto mais acredita que possa fazer com que os outros conheçam e sintam como ele próprio. Ao ter uma primeira comodidade, ele a propaga, a faz desejada, ele a encarece e nem mesmo espera a ocasião, mas a procura industriosamente. Falem do que quer que seja, ele se mete no assunto com alguma vantagem; quer ser visto e sentido em toda parte, quer que todos o estimem assim como tudo o que ele próprio estima. A vaidade foi dada em partilha ao homem: este ele corre, faz barulho, morre, foge, caça, pega uma sombra, adora o vento, e uma migalha é o ganho de seu dia. Vanitati creatura subjecta est etiam nolens; universu vanitas omnis homo vivens. (Rom. VIII, 20.) A criatura está sujeita à vaidade mesmo sem o saber” (P. Charron).
De todas as maneiras, a vaidade é um equívoco de julgamento que toma ele próprio sua fonte, seja no desenvolvimento tardio ou incompleto da inteligência, como se observa nas crianças assim como nas mulheres, seja na suficiência que dá uma grande fortuna que foi herdada, ou que foi adquirida pelo saber e pela conduta próprios; seja ainda no pueril sentimento de amor-próprio inspirado por um título, por um grande nascimento. Todavia, onde quer que busque suas inspirações, como suas fontes são todas desprezíveis, ela própria torna-se desprezível e faz com que o indivíduo vaidoso perca uma grande parte de seu valor, quando não o aniquila totalmente. Notemos ainda que um dos inconvenientes da vaidade para o vaidoso, é o de expor-se a uma análise severa; quando o separamos, pelo pensamento, de seu título, de sua fortuna ou de sua posição, se reconhecemos que lhe falta o julgamento, que parte lhe concederemos na escala social? E no entanto, malgrado todos esses inconvenientes, infelizmente a vaidade é um dos males de nossa época. Jamais se viu, com efeito, semelhante tendência a sair de sua esfera. Qual é o pai que consente em deixar seu filho na posição em que a Providência o fez nascer? Daí a imensa quantidade de homens que vagam pelas calçadas das grandes cidades, com títulos e graduações que lhes são inúteis. Paris e a França estão cheios de Gilberts ignorados, de Newtons sem emprego, de advogados sem clientes, de médicos sem doentes, de artistas de todas as sortes sem trabalho. Todos esses homens, à agricultura e às artes, nada rendem à sociedade e, estagnados na inação e no tédio, se tornam o levedo de mil males. Depravados, escandalosos, agitadores sem princípio, ambiciosos, sem pátria, escravizados pela educação a uma série de necessidades que não podem satisfazer. Eles esquecem que a condição, imposta a todo homem terreno, é semear para colher, dar para receber, trabalhar para ter o direito de viver. Em parte, eles são a causa do mal-estar social que nos atinge e nos corrói.
No entanto, se devemos temer os efeitos da vaidade nos homens, ela não é menos a temer nas mulheres. Elas nascem com um desejo violento de agradar. Estando a elas fechado os caminhos que conduzem os homens à autoridade e à glória, elas buscam vantagens nas amenidades do espírito e do corpo. Daí vem sua conversação doce e insinuante; daí vem porque elas aspiram tanto a beleza e todas as graças exteriores, e são tão apaixonadas pelos adornos: um adereço na cabeça, um penteado mais alto ou mais baixo, a escolha de uma cor, são para elas tantas ocupações. Esses excessos vão ainda mais longe em nossa nação do que em qualquer outra. As disposições titubeantes que reinam entre nós causam uma variedade contínua de modas: assim junta-se o gosto dos adornos ao da novidade, que exerce estranhos encantos sobre tais espíritos. Unidas, essas duas loucuras ultrapassam os limites das condições e desregram seus costumes. Uma vez que não tenha mais regra para os hábitos e para a mobília, também não as há efetivas para as condições, pois a mesa dos particulares a autoridade pública não pode regrar. Cada um escolhe conforme seu dinheiro, ou ainda sem dinheiro, conforme sua ambição e sua vaidade. Essa pompa arruína as famílias, e a ruína das famílias arrasta consigo a corrupção dos costumes.
Por um lado, a pompa excita nos personagens de baixo nascimento a paixão pela fortuna rápida, o que não se pode fazer sem sacrifícios, como nos assegura o Santo-Espírito; por outro lado, as pessoas de qualidade, encontrando-se sem recursos, agem com indolência e baixeza: por aí se extinguem, insensivelmente, a honradez, a fé, a probidade e a boa natureza, mesmo entre os parentes mais próximos. Assim, todos, homens e mulheres devem que temer a vaidade, e isso porque não há loucura da qual não se possa desiludir um homem que não é louco, exceto a vaidade; o vaidoso só pode ser curado pela experiência, se é que alguma coisa pode curá-lo.
De minha parte, não vejo senão um meio, e eis em que ele consiste: 1º aplicar-se a fazer os jovens compreenderem o quanto a honra que vem de uma boa conduta e de uma capacidade verdadeira é mais estimável do que o que a vem de seus cabelos ou de suas vestimentas. A beleza, direis, engana mais a pessoa que a possui do que aqueles que são deslumbrados por ela; ela engana, ela embriaga a alma; idolatra-se mais a si mesmo do que os mais apaixonados amantes idolatram a pessoa que eles amam. E no entanto, apenas um pequeno números de anos fazem a diferença entre uma bela mulher de outra que não o é. (…)
As pessoas que tiram toda sua glória da própria beleza logo tornam-se ridículas; chegam, sem perceber, a uma certa idade em que a beleza desbota e se desvanece; e elas ficam encantadas consigo mesmas ainda que o mundo, bem longe disso, se desgoste delas. Enfim, é tão estúpido apegar-se unicamente à beleza quanto atribuir todo o mérito à força do corpo, como o fazem os povos bárbaros e selvagens. (…)