Obediência (Conhecimento)
Obediência (pt) Obéissance (fr) - do lat. obœdire, de “ob", diante, e audire (ouvir).
A obediência é impressão da alma ou conhecimento; é ainda uma impressão dos sentidos, conforme os objetos aos quais obediência pode aplicar-se. Como conhecimento da alma e como impressão dos sentidos, é preciso uma evidência; como impressão da alma é preciso uma certeza. Explico-me: obediência apenas como impressão da alma, é devida à Divindade, sem outro conhecimento senão a certeza de sua infalibilidade, de sua onipotência e de sua verdade eterna. Essa obediência, assim como essa certeza, são gravadas ou impressas em nossa alma; no entanto, a alma não pode ser constrangida a obedecer a essa Divindade, mas ela sente que recusar-lhe obediência é o cúmulo da extravagância: não podemos pretextar ignorância a esse respeito, pois essa impressão é igualmente gravada no coração de todos os homens.
A obediência impressão, relativa à Divindade, leva a crer em tudo o que não podemos compreender, e que no entanto é verdade, como suas perfeições, seus decretos, seus dogmas, etc. Essa obediência é relativa ao coração que sofre a impressão sem raciocinar, e que não pode dar-se conta.
Como conhecimento, a obediência é devida à Divindade por evidência; porque essa obediência deve-se à inteligência que se relaciona com o espírito e a razão; a esse respeito, a obediência deve ser esclarecida; caso contrário, constrangendo nossa liberdade, essa obediência só poderia desagradar a Deus e degradar a essência da alma. Essa obediência é o caractere que distingue a natureza inteligente do homem da sua natureza material. A obediência do corpo, ou da parte inferior, da natureza material do homem, é bem diferente. A obediência que chamo material é comum com todos os outros animais; em nós é a alma que regula seus movimentos, conforme a qualidade e a natureza dos objetos sensíveis que os sentidos registram, e de acordo com o reflexo da sua ação produzida na alma. Nos animais é o Criador que regula o movimento periódico de seus movimentos; é em Deus, por assim dizer, que se imprimem suas sensações, e é Deus que os faz refletir a ordem de seus movimentos. Essa obediência da parte dos sentidos, relativamente aos animais e às ações do corpo do homem, é uma obediência puramente passiva, uma obediência de escravo, que tem por motor a ordem regulada pela Divindade, ou a própria Divindade; a outra tem por motor as reflexões, o apego ou a razão do homem, enfim sua liberdade relativa a todas as relações sob as quais se pode considerar sua obediência. Os movimentos da obediência no homem, seguindo sempre as luzes de uma razão esclarecida, é o que chamamos obediência do homem; a esse respeito, a evidência é necessária para tornar essa obediência virtuosa. Toda obediência concedida unicamente à impressão dos sentidos é, com relação ao homem, sempre uma obediência servil, sempre uma obediência desregrada, que degrada o homem. É o que faz que as santas Escrituras digam para que vigiemos sobre quem nos comanda e provar os espíritos; é o que faz São Paulo alertar para que tenhamos obediência esclarecida, retionabile obsequium. É essa máxima de obediência esclarecida que dá, da parte da Divindade reparadora, as altas luzes de uma obediência esclarecida, aos judeus que pediam a prova de sua missão, e aos quais ele responde com a evidência mais surpreendente.
Na ordem política dos governos há uma obediência ao Soberano, aos Poderes, às leis, e todos aqueles que têm em mãos a direção do governo político. Essa obediência é ainda uma obediência esclarecida, com exceção dos governos despóticos, em que a obediência é servil e tirânica. Em todos os outros governos ela é esclarecida e livre; o amor para com o Soberano e os Poderes forma a impressão sagrada; as razões de ato de obediência são claras e evidentes; o Soberano que comanda sempre como verdadeiro pai, não quer nada senão o que é justo; é a alma de todo esse corpo político. A obediência às leis é da mesma natureza; essas leis são os efeitos impulsionadores que a unanimidade de nossos pais consentiram e que nós reclamamos sempre como o objeto principal da nossa obediência política.
Quando se trata de obediência, é preciso que ela seja verdadeiramente esclarecida para ser virtuosa, de outra forma não passa de impressão; e muito poucas pessoas são virtuosas por obediência. As almas comuns e ordinárias obedecem por medo, por erro, por ilusão, isto é, por instinto ou por essas impressões dos sentidos. As almas virtuosas e piedosas são quase sempre desse número; somente as almas esclarecidas e principalmente as almas superiores são capazes da obediência virtuosa. Seu contrário é a independência, seu contraditório a revolta.
(Manuel du philosophe, ou Dictionnaire des vertus ou des qualités intellectuelles de l’ame, Obéissance. Berlim, 1769. (Traduzido do francês pela equipe do GEAK / IPEAK.)