Preconceito (fr. Prejugé): de prae, antecipado, e judicare, julgar = julgar antecipadamente, ou prejulgar.
Esse termo, sem sinônimo nas línguas antigas, pertenceu inicialmente à jurisprudência: servia para designar seja uma causa julgada antecipadamente pela natureza dos fatos produzidos à luz do dia, seja por uma sentença dada anteriormente numa questão semelhante à que se tinha a decidir. Transportada em seguida, por analogia, para a linguagem filosófica, o termo conservou desde o século XVII o mesmo significado: um julgamento que nós pronunciamos, ou melhor, que nós aceitamos sem exame, e por isso mesmo considerado errôneo; opinião ao mesmo tempo irrefletida e falsa, à qual nós somos tão apegados quanto às verdades mais evidentes. Com efeito, há um duplo caráter a considerar nos pré-julgamentos [preconceitos]: a irreflexão e o erro. Um grande número de nossos julgamentos são irrefletidos sem serem falsos, e outros, perfeitamente falsos, foram precedidos de um exame aprofundado. Nem todo erro é, pois, um pré-julgamento [preconceito]; o campo do primeiro é mais vasto do que o do segundo, e é equivocadamente que muitos filósofos os têm confundido. Mas o pré-julgamento [preconceito] é sempre um julgamento, ou seja, ele repousa sobre certos princípios, sobre certas noções pessoais que se designam pelo nome de prevenções.
Seria verdade, e mesmo possível, como pretende Bacon, que haja preconceitos naturais, ou, para nos servir de suas expressões, ídolos da tribo, isto é, erros nascidos conosco e inseparáveis de nossa espécie? Se erros desse gênero existissem, nós certamente não teríamos nenhum meio de reconhecê-los, porque eles seriam conformes às leis de nossa inteligência, e quanto mais os considerássemos, mais seríamos forçados a nos apegar a eles como à própria verdade, é unicamente porque esta está de acordo e aquele em oposição com as leis gerais e invariáveis de nossa natureza; uma nos parece a saúde e o outro a enfermidade do espírito.
Mas se não há erros naturais no sentido próprio da palavra, há disposições naturais que, afastadas de seu objetivo ou desenvolvidas em excesso, e mantidas nessa direção viciosa pela força do hábito, podem nos conduzir a aceitar sem exame as opiniões mais falsas ou a elas nos fixar como às verdades primeiras. São essas disposições que engendram todos os preconceitos, e, para ser justo, é a elas que devemos relacionar tudo o que disse Bacon sobre os erros inseparáveis de nossa existência.
Podemos atribuí-las a dois princípios: a confiança que temos em nossos semelhantes, e a que temos em nós mesmos; o sentimento da autoridade e o do amor próprio, uma disposição ardente por tudo o que nos toca de perto; enfim, sob qualquer forma que elas se manifestem: a abnegação e a personalidade.
Considerai esses dois princípios em justos limites, e serão igualmente preciosos ao homem; eles contribuirão na mesma medida a seu aperfeiçoamento intelectual e moral. O sentimento de autoridade, a abnegação se tornarão a base de toda educação, de toda disciplina, de toda tradição, de todo governo e, por conseguinte, de todo bem social. O amor próprio, o sentimento pessoal, a confiança em si completarão a obra da educação, farão eclodir novos efeitos das forças que ela despertou em nós e nos farão viver nossa própria vida sem nos isolar dos outros.
Deixai, ao contrário, esses mesmos princípios se desenvolverem sem resistência e sem controle; acrescentai a eles, como dissemos antes, o poder do hábito, e vereis desencadearem-se prontamente todos os preconceitos que obscurecem o espírito humano: preconceitos de seita, de nacionalidade, de profissão, de casta, de escola, e aqueles que nascem na solidão do gabinete.
Com efeito, em cada uma dessas enfermidades de nossa pobre espécie, reconheceremos, sem dificuldades, ou um excesso de abnegação, ou um excesso de presunção, e o mais frequente, por estranho que pareça, os dois juntos. Assim, nos preconceitos de seita, que é preciso bem distinguir das verdades religiosas, pois a religião eleva e une as almas, enquanto o fanatismo as rebaixa e as divide; nos preconceitos de seita, nós percebemos em primeira escala a influência da educação e da autoridade bem ou mal compreendida; mas o amor próprio e mesmo o orgulho têm aí seu lugar. Nós sofremos voluntariamente apenas porque os outros pensam diferente de nós sobre questões tão graves, e se não podemos tirar nenhuma vingança material daqueles que tomam essa liberdade, nós nos recompensamos persuadindo-nos de que eles não têm nenhuma de nossas virtudes, de nossas qualidades, de nossos poderes internos, sem contar os tormentos que os esperam em uma outra vida. A mesma observação se aplica aos preconceitos políticos e sociais, com a diferença de que aí o amor próprio tem o papel principal, e que a educação, o hábito, as ideias recebidas vêm em segunda ordem. Como recusar essa doce crença de que a nação à qual pertencemos é a primeira do mundo; que a classe em que nascemos, a profissão que exercemos, desde que nela encontremos muitas vantagens, é a mais bela, a mais gloriosa, a mais útil de todas? Essas vaidades comuns são habitualmente as mais embriagadoras, porque têm um certo ar de interesse público, e, longe de nos envergonharem, nós as erigimos em virtudes.
Os preconceitos de escola não são senão preocupações e hábitos do espírito; raramente eles penetram nos corações e se levantam entre as pessoas. Acostuma-se, em determinada esfera, a pensar segundo certos princípios, a eles reportar todas as suas ideias, o espírito não tem mais a liberdade de abrir mão deles um instante, não compreende e não suporta que sejam colocados em questão, e os considera de alguma maneira como uma parte de si mesmo, se neles não se absorve totalmente.