(Do Dictionnaire des Sciences Philosophiques, 2ª ed. Paris, 1875. Traduzido pela equipe do GEAK - Grupo de Estudos Espíritas Allan Kardec.)
“A lei que tem tão grande papel no mundo físico sob o nome de gravitação, de atração e de afinidade eletiva, parece ter seu equivalente no mundo moral. O homem, por mais que ele faça, não pode viver somente para si mesmo e nos limites estreitos de sua individualidade; ele não pode desvincular sua existência da dos outros seres, animados ou inanimados, materiais ou imateriais; ele os busca, os atrai a si ou sente-se atraído para eles por um movimento interior mais ou menos poderoso; e há almas privilegiadas que, vendo-se como exiladas nesta Terra, elevam-se com todas as suas forças para um mundo ideal, dirigem todas as suas aspirações para um ser infinito, centro e foco de toda existência. É a esse sentimento geral, a esse fato primitivo da natureza humana, mas que sofre por diversas causas modificações sem número, que se aplica em sua maior extensão o nome de Amor.
É por um estranho abuso de linguagem que se dá esse nome e um estado de alma inteiramente oposto àquele de que falamos, e que se chama amor de si a soma dos instintos, dos desejos, dos apetites, que, dirigindo toda nossa atividade, toda nossa atenção sobre nós mesmos, nos impede de nos entregar ao amor verdadeiro. Que o autor da natureza dando-nos a vida a ele nos tenha ligado por laços poderosos; que nos excite pela necessidade e nos encoraje pelo prazer a todos os atos de que dependem nossa conservação; que, ao contrário, ele nos afaste pela dor dos que nos são nocivos, é uma marca de sua bondade e da sua sabedoria, ou se quisermos, de seu amor para com as criaturas. Todavia, não é em nossos corações que esse amor tem sua sede; não é a nós que ele pertence, pois nós não somos senão seus instrumentos, quase sempre cegos. A mesma observação deve estender-se às preferências que temos por certas coisas destinadas ao nosso uso ou aos nossos prazeres, a menos que não se trate desses prazeres da alma que excitam em nós a visão do belo.
Entretanto, acima das impressões dos sentidos e dos cálculos do egoísmo, não há por nós mesmos, no fundo de nossos corações, um sentimento de respeito e de verdadeira ternura? O que é, então, senão o amor pela liberdade, pela independência, pela glória, que chamamos honra, e até essa imitação da honra que tem por nome a vaidade? A liberdade não é deleite, e a honra o respeito de si? A glória não é o meio de estender de alguma maneira, e de prolongar nossa existência para além dos limites da natureza física? Sim, sem dúvida, o homem pode provar por si mesmo um amor legítimo, um amor que não é o menos fecundo em ações generosas. Mas em que condições? Na condição de amar em si o que faz a dignidade e a grandeza do homem em geral, isto é, o ser moral, o objeto da lei do dever, a mais bela obra da bondade e da sabedoria divinas. Dessa maneira, o amor de si se confunde inteiramente com o amor dos outros, e com o da Humanidade inteira. Quanto à vaidade e ao desejo de glória, se não são ainda o sentimento que definimos, pelo menos eles o supõem com relação aos outros, pois se não admitirmos, mesmo instintivamente, em nossos semelhantes o amor do belo e do grande, como poderíamos esperar brilhar a seus olhos ou viver em sua memória?
Assim, a primeira condição, um dos caracteres essenciais do amor, mesmo quando ele se reflete sobre nós, ao invés de se expandir sobre os outros seres, conforme sua direção natural, é ser um sentimento bastante desinteressado. Mas isso não é suficiente: existem também instintos em que o interesse, ou o atrativo do prazer não tomam nenhuma parte, como os que ligam os brutos aos seus filhotes, o cão ao seu dono, e alguns homens grosseiros a seus filhos, dos quais se lembram apenas quando a idade avançada os leva a necessitar de seus primeiros cuidados. Certamente não é a isso que chamamos amar; nada de comum entre esse brutal pendor, esse movimento cego da natureza animal e o nobre impulso que excita numa alma inteligente e livre tudo o que é belo, tudo o que é bom, tudo o que comove pelo sofrimento ou pela graça. O amor não pode, pois, abster-se das luzes da consciência nem de um certo grau de liberdade; apenas o instinto e a necessidade são forças inteiramente cegas e irresistíveis. Foi o amor físico que a antiguidade pagã representou com os olhos cobertos por uma venda; mas o verdadeiro amor, o amor em sua plenitude e em toda a sua força, tem os olhos abertos, voltados para os céus.
Agora que conhecemos os caracteres gerais e as condições essenciais do amor, é preciso que o sigamos em todos os seus desenvolvimentos, a fim de que façamos uma ideia de suas diversas formas particulares. Nós distinguimos no amor, como resultado geral da faculdade de amar, quatro graus principais, ou se quisermos, quatro formas perfeitamente distintas umas das outras: 1º o amor de todos os seres vivos, desde que não ameacem nossa própria existência ou que, por sua forma exterior, não choquem muito vivamente a nossa imaginação; 2º o amor que temos por nossos semelhantes e por nós mesmos, quando consideramos em nós o ser moral ou a imagem de nossa natureza divina; 3º o amor do ideal e das realidades inteligíveis, ou seja, do belo, do bem e do verdadeiro considerados em sua essência mais pura; 4º o amor de Deus, que realiza em si e contém em sua plenitude e na mais perfeita unidade os três princípio dos quais falamos.
Que um pendor natural e pleno de doçura, um movimento do qual temos perfeita consciência, aumentado ainda pela reflexão, nos atraia para tudo o que sente, tudo o que respira ou que nos oferece apenas a imagem da vida, é um fato que não precisa ser demonstrado. Nada tem mais encanto para nós do que uma natureza animada, plena de movimento; nada, ao contrário, nos inspira mais tristeza e terror do que um lugar ermo, completamente desabitado por qualquer criatura viva. Na ausência de outras afeições, as flores e os animais se tornam nossos amigos: apegamo-nos a um cão, a um cavalo, a um pássaro. Os sofrimentos dessas criaturas nos comovem, nos inquietam; os sinais de seu contentamento nos alegram, e suas carícias nos são caras. Mesmo quando nosso coração não sente nenhum vazio da parte de nossos semelhantes, quase sempre nos é impossível renunciar a essas afeições mais humildes, tanto estão elas em nossa natureza e na natureza das coisas.
Todavia, nenhum outro sentimento tem mais força, não é mais verdadeiro em seus efeitos e em suas formas, do que o amor de nossos semelhantes. Não temos a intenção de descrever esses afetos à maneira dos moralistas e dos poetas; queremos apenas classificá-los com certo rigor, e ligá-los aos seus princípios segundo o método psicológico. Distinguiremos, então, em primeiro grau, o sentimento que leva a tão justo título o nome de humanidade, essa simpatia comum que experimentamos por todo ser humano, que nos faz sentir compaixão por seus males sem conhecê-lo, e, num perigo iminente, saltar em seu socorro mesmo correndo risco de morte. A humanidade é um movimento bastante espontâneo que não deve ser confundido com a caridade ou a filantropia, ambas inspiradas por certos princípios, por certas doutrina aceitas ou produzidas pela inteligência. Acima da humanidade nós encontramos a amizade e os sentimentos que dela aproximam mais ou menos; todas as predileções individuais que repousam na apreciação e na conveniência dos caracteres, na troca de serviços, ou na similitudes dos princípios, na identidade das posições e dos destinos e, por conseguinte, nas promessas e nas esperanças. Quanto mais esses pontos de contato forem numerosos entre duas almas, mais o laço que as une será durável e forte, até que essas duas existências sejam, por assim dizer, colocadas em comum. Poderíamos nos dispensar de provar que a amizade só é possível entre gente de bem; pois os maus são exatamente os que não amam, os que se entregam a um egoísmo sem limite e sem freio. Enfim, acima, e em alguns aspectos abaixo da amizade, está o amor propriamente dito; esta paixão ora cega e ora sublime, essa poética exaltação da alma e dos sentidos que nos conduz de alguma forma para nós mesmos, que nos deleita fora da esfera de nossa própria existência, para nos absorver em um outro ser que se tornou objeto de todos os nossos desejos, de todos os nossos pensamentos, de toda a nossa admiração, e como o princípio de nossa vida.
O amor, que tanto tem movido os romancistas e os poetas, tem sido, talvez por essa mesma razão, negligenciado pelos filósofos. Entretanto, ele ocupa tão grande lugar em nossa existência; exerce uma influência tão visível sobre os costumes, sobre as artes, sobre os indivíduos e as sociedades, para merecer ser estudado do ponto de vista geral e severo da ciência psicológica.
É preciso distinguir no amor muitos elementos que não pertencem todos à mesma faculdade da alma, que não estão sempre unidos, e estão longe de ser iguais em força, em nobreza e duração. Um desses elementos é puramente sensual: quero falar do instinto que aproxima os sexos, e os desejos que ele traz consigo; desejos ordinariamente exaltados pela nossa imaginação bem acima da prescrição da natureza, e velados aos nossos olhos pela embriaguês geral em que o amor nos mergulha. O segundo elemento pertence mais à alma, sem ser completamente isento da influência dos sentidos: é o atrativo irresistível da beleza de um ser de nossa própria espécie, para o qual nos impulsiona um instinto natural e o amor geral de nossos semelhantes. Sem dúvida a beleza da forma não pode chegar a nós sem o auxílio dos olhos, mas é somente a nossa alma que ela encanta; a volúpia dos sentidos nada tem a ganhar com esse divino esplendor que a mão de Deus espalhou sobre a mais perfeita de suas criaturas. Todavia, essa beleza exterior que murcha e que passa não é senão um símbolo, imagem quase sempre enganosa de uma outra espécie de beleza; de uma beleza toda interior, fonte de um sentimento mais profundo e mais puro, e por conseguinte mais durável que o ascendente exercido sobre nós pela perfeição do corpo. Com efeito, os dois sexos, embora perfeitamente iguais perante a lei moral, não se assemelham mais pelas qualidades da alma que por suas formas e suas qualidades exteriores: ao homem a dignidade e a força, a coragem ativa, as virtudes austeras, as concepções de conjunto e o poder da meditação; à mulher a doçura e a graça, a resignação mesclada de esperança, os sentimentos ternos que fazem o encanto da vida interior, a fineza, o tato, e uma espécie de pressentimento. Daí resulta que cada um dos dois é para o outro um tipo de perfeição, uma aparição celeste que vem espalhar sobre sua vida uma claridade toda nova, a mais bela metade de si mesmo, ou antes, o verdadeiro foco de sua existência. Por uma ilusão fácil de compreender nessa idade em que a imaginação domina todas as outras faculdades, as diversas qualidades que são o apanágio de um sexo, em geral, não deixam de ser atribuídas, em toda sua perfeição, a um único homem ou a uma única mulher, ou apresentar-se ao espírito fascinado como os dons extraordinários de um ser excepcional. Então, a admiração e a ternura não conhecem mais limites e se transformam em verdadeiro culto. Assim, o amor propriamente dito estabelece sua sede em todas as partes de nosso ser, nos sentidos, na imaginação e no mais profundo recôndito de nossa alma. Todavia, dos três elementos que já enumeramos, o último, aquele que denominamos elemento moral, é o único que sobrevive à juventude e à beleza. É por ele que se opera essa fusão das existências sem a qual o sexo mais frágil é apenas escravo do mais forte; sobre ele se fundam a dignidade, a felicidade da família e a saúde do casamento.
Próximo do amor propriamente dito, encontramos as afeições de família, o amor dos pais por seus filhos, dos filhos por seus pais, e dos filhos entre si. Este último sentimento se aproxima bastante da amizade. O segundo é, talvez, apenas o mais alto grau do respeito e do reconhecimento. Enfim, o primeiro, como já havíamos observado, sem o apoio da inteligência e do sentimento moral tornar-se-ia facilmente um instinto. No entanto, em nenhum caso poderíamos admitir a hipótese de alguns filósofos do século XVIII, que quiseram atribuir todas as afeições do coração humano a um vil cálculo do egoísmo.
O Homem não é apegado somente à sua família, ele ama também a sua pátria, que para ele é apenas uma família mais vasta. Nossos concidadãos, educados, como nós, sob o império das mesmas leis, dos mesmos costumes, sob o encanto das mesmas lembranças, com os quais nós dividimos os mesmos medos, as mesmas esperanças e as mesmas alegrias, são para nós verdadeiramente irmãos. Não temos a obrigação de reconhecer nossos pais nas gerações que nos precederam, que fundaram ou conservaram, algumas vezes à custa de seu sangue, a prosperidade e as instituições das quais recolhemos os frutos? Não há, até mesmo no solo da pátria, essa terra que nos nutriu, que contém tudo o que nós amamos, e em cujo seio encerra as cinzas de nossos ancestrais, que não seja, abstração feita de todo resto, objeto de um piedoso respeito e de uma ternura toda filial.
Todavia, a mais nobre e a maior de todas as afeições do coração humano é, sem contradita, o amor da humanidade, do gênero humano, considerado no conjunto de seus destinos e concebido pelo nosso pensamento como um único ser. Entretanto, não nos iludamos sobre a natureza desse sentimento; ele não tem nada de espontâneo como os outros, pelo menos com aqueles dos quais nos ocupamos até aqui; ele depende tanto da inteligência quanto da sensibilidade; e só pode existir tal sentimento com a condição de que certas ideias, certos princípios de moral e de metafísica sejam admitidos como verdadeiros, seja em nome da fé, seja em nome da razão. Assim, como amar o gênero humano se não acreditamos numa unidade, na identidade das faculdades humanas, e na continuidade de seu desenvolvimento? Como amar o gênero humano, se não admitirmos para todos os homens os mesmos direitos, os mesmos deveres, a mesma liberdade para fazer o bem e para evitar o mal; se, enfim, nos recusamos a crer que eles sejam todos iguais perante Deus e a lei moral? Os Antigos, que não conheciam esses princípios, eram igualmente estranhos ao sentimento que deles depende; suas afeições não iam além do círculo da pátria e da família.
Os seres reais, como nossos semelhantes, e em geral todas as criaturas vivas, não são os únicos objetos de nosso amor; nossa alma, suficientemente desenvolvida, sente-se também atraída por um encanto irresistível para um mundo todo ideal, para certos tipos absolutos, constantemente presentes em nossa inteligência, e dos quais encontramos nas coisas que nos rodeiam apenas cópias infiéis: tais são as ideias universais e necessárias do belo, do bem e do verdadeiro. Não é o amor da verdade que faz nascer todas as ciências especulativas e sobretudo a filosofia, que tem, como a religião, seus mártires e seus heróis? Não há em nós um sentimento do bem, um sentimento do justo, diante do qual nos vemos obrigados a impor silêncio a todos os nossos interesses e a todas as nossas afeições? Esse sentimento, sem dúvida, não poderia existir sem a ideia do bem; mas a ideia, a seu turno, seria apenas uma forma estéril de nossa inteligência, sem o amor, que nos leva a realizá-la. Fazemos a mesma observação sobre o belo, que amamos com um amor mais ardente, mais entusiasta, mas menos perseverante talvez que o amor do bem e do verdadeiro; nós o amamos por ele mesmo pelos nobres gozos que sua presença nos traz; nós o amamos, enfim, tanto mais quanto mais nos aproximamos de sua essência absoluta e puramente inteligível. É esse amor que Platão descreve com tanta eloquência em seus imortais diálogos, e ao qual ele deu seu nome.
O belo, o bem e o verdadeiro, quando os consideramos cada um separadamente, não são senão ideias, puras concepções de nossa inteligência. Todavia, desde que as concebemos como universais e necessárias, somos forçados a lhes atribuir, fora de nosso espírito, e fora das coisas finitas deste mundo, uma existência real, ou seja, que devemos lhes dar por substância o próprio Deus, acima de nós e do Universo. Deus é, pois, o verdadeiro, o bem e o belo em sua mais pura essência; formam nele a mais perfeita unidade. Ora, se cada uma dessas três formas de absoluto é para nós objeto de um amor tão poderoso, o que não provaremos pelo ser absoluto, considerado na plenitude de sua existência, no conjunto de suas perfeições infinitas? O amor de Deus não se poderia descrever, pois não há senão o próprio Deus que possa prová-lo em toda a sua extensão; há apenas um ser infinito capaz de um amor infinito. Para nós, sujeitos aos mistérios desta vida, ao amor misturamos sempre as nossas afeições, nossas preocupações terrestres, ou pelo menos o sentimento de nossa existência, o cuidado de nossa liberdade, sem a qual não somos mais nada no mundo moral. Os que, esquecendo as condições de nossa natureza finita, não querem reconhecer outra regra no verdadeiro e no bem do que o amor de Deus em sua pureza absoluta, os místicos, em uma palavra, não chegam senão ao fatalismo, à aniquilação da liberdade, da reflexão, dos deveres mais positivos da vida. Ademais, alguns não quiseram se deter em tão belo caminho: do fatalismo eles foram conduzidos ao aniquilamento completo do homem, isto é, ao panteísmo (ver os artigos Misticismo e Panteísmo).
Nós conhecemos, sobre o amor, considerado do ponto de vista filosófico, apenas esses dois escritos: o Banquete de Platão, e a obra de Léon l’Hébreu intitulado: Dialoghi di amore, composti da Leone medico, di nazione Ebreo, e di poi fato cristiano, in-4, Roma, 1535, et Veneza, 1541. Existe em nossa língua [francesa] três traduções dessa obra.”
Bibliografia Espírita sobre o amor:
- O Livro dos Espíritos - Parte Terceira - Das leis morais, cap. V - 4. Lei de conservação - Gozo dos bens terrenos, itens 711 a 714
- O Livro dos Espíritos - Parte Terceira - Das leis morais, cap. XI - 10. Lei de justiça, de amor e de caridade - Caridade e amor do próximo, itens 886 a 892
- O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XVII - Sede perfeitos - Instrução dos Espíritos - O dever, tem 7.
- Revista Espírita, agosto de 1865 - Dissertações espíritas - A chave do céu.
- A Gênese - A Gênese, cap. VI - Uranografia geral - As leis e as forças, itens 8 a 11.