Reflexão (do latim reflectere [refletir], replier [dobrar]
Chama-se assim o ato pelo qual nosso espírito retorna sobre suas próprias operações e inclina-se de alguma maneira sobre si mesmo, a fim de considerar as percepções, ideias e julgamentos, em geral os pensamentos que ali já se encontram. A natureza desse fato é muito bem expressa pela palavra alemã nachdenken (pensar depois), überdenken (pensar sobre) isto é, pensar uma segunda vez. A vida intelectual do homem parece, com efeito, assumir sucessivamente dois caracteres distintos: um espontâneo e um refletido.
Nós nos entregamos inicialmente sem desconfiança às impressões que recebemos dos objetos, às ideias que delas se nos apresentam e aos julgamentos naturais da nossa razão, acompanhados de uma vaga consciência de nós mesmos: é o momento da espontaneidade. Em seguida, nós buscamos ver mais claro a respeito de tudo o que já se apresentou às nossas faculdades; começamos a nos dar conta de nossos sentimentos, de nossas ações, de nossos pensamentos; ensaiamos controlá-los e compará-los uns com os outros: é o momento que pertence à reflexão. Esses dois momentos não são menos fáceis de reconhecer, quer seja na história geral da humanidade, quer seja na existência de cada indivíduo. A primeira se distingue pela poesia e pela fé; a segunda pela ciência e pela filosofia.
A reflexão se aplica ao mesmo tempo à consciência, à percepção dos sentidos, à razão, à memória, pois todas as ideias que derivam dessas diferentes fontes são inicialmente vagas, confusas, flutuantes, e não chegam ao estado de conhecimentos claros, de afirmações decisivas, de princípios inabaláveis, senão quando, pelo trabalho interior do pensamento, pela concentração do espírito sobre si mesmo, chega-se a fixá-los, dominá-los, classificá-los e distingui-los uns dos outros. É isso que nos explica como, na infância do homem e da sociedade, existe pouca diferença entre a realidade e a imaginação, entre o presente e o passado ou os sonhos do futuro, entre nossa própria pessoa e os objetos que nos cercam. É a essa confusão plena de charme, poesia das primeiras idades, que a reflexão faz suceder a claridade e a ordem severa da ciência. A reflexão estende-se, pois, a todas as nossas ideias; mas ela não lhes abre uma fonte nova, como o pretende Locke; não se pode citar nenhuma que seja verdadeiramente fornecida por ela, e cujos materiais não sejam emprestados das nossas outras faculdades. Ela esclarece, distingue, dispõe, toma posse, se assim podemos nos exprimir, mas não cria.
Com efeito, a reflexão não é outra coisa senão nossa própria atividade ou nossa liberdade aplicada às nossas ideias, voltada para as nossas percepções e informações de nossa razão, em vez de se traduzir exteriormente por movimentos e efeitos visíveis. O mesmo ocorre com a atenção; mas entende-se comumente por atenção uma aplicação de nosso espírito a coisas presentes, atualmente submetidas à nossa consciência ou aos nossos sentidos, ao passo que a reflexão diz-se de coisas ausentes e unicamente das ideias que essas coisas deixaram em nossa inteligência. A atenção pode se exercer com a ajuda dos órgãos exteriores; a reflexão é o trabalho do espírito inteiramente entregue a si mesmo. De resto, a reflexão não é um ato simples e invariável; compõe-se de uma sequência de operações indispensáveis ao conhecimento verdadeiro ou à ciência. Refletir é analisar e compor, é observar, abstrair e generalizar, é induzir e deduzir. Não há esforço de reflexão que não entre numa dessas operações ou não as abarque todas juntas. A reunião dessas operações, dispostas em uma tal ordem que, seguindo-se uma a outra cheguem a um objetivo comum, recebe o nome de método. O método nada mais é do que a arte de refletir, e a reflexão, não é senão a intervenção da atividade ou da personalidade humana em busca do conhecimento. (Dictionnaire des sciences philosophiques, 2a. ed. Pairis, 1875)