
Resignação
(Virtude)
Se a paciência é a aceitação voluntária do sofrimento, a resignação é o livre aquiescimento a um mal presente ou futuro. (Sr. Abade Bautain).
O primeiro desses sentimentos, que nos difere do segundo, é ao mesmo tempo moral e físico, isto é, subordinado, em parte, à influência do temperamento dos indivíduos. (Ver Paciência); a resignação, ao contrário, é sobretudo moral, e somente Deus, no-la inspirando, pode nos dar a força para aquiescer a todos os males dos quais a maldade dos homens, ou nossa própria natureza, nos fazem vítima.
Nada é mais precioso e útil como esse sentimento, pois a coragem nos acontecimentos ordinários da vida é mais necessária à humanidade, em geral, do que aos soldado em particular, mesmo no campo de batalha. Com efeito, quantos guerreiros enfrentam a morte sem empalidecer e que, no entanto, não são tão corajosos como o infeliz que suporta com resignação os desgostos e tormentos que o sobrecarregam; quantas pessoas que, sem a resignação, sucumbiriam sob o peso da adversidade e arrastariam em sua miserável vida as mágoas, as aflições, consequência das decepções de toda sorte que se experimenta e que se tornam quase sempre a causa de todas as lágrimas que o amor das criaturas, ou de nós mesmos, fazem verter.
Vede como é feliz essa jovem mãe acariciando seu filho único! Ela vive pelo presente e pelo futuro nesse terno objeto de seu amor. Quantos cuidados, quanta vigilância! Sua solicitude afasta do caminho de seu filho tudo o que poderia ferir seus pés, ou entristecer seu coração. De certa maneira ela encarnou nele; respira pela sua boca, vê por seus olhos, ama em seu coração. Pobre mãe, teu amor é um sol muito ardente que faz a flor definhar e morrer em seu caule? Pouco a pouco ela se dobra e murcha; algum verme assassino ter-te-á picado no coração. Em vão tu o regas com tuas lágrimas; em vão colocas teu caro filho em teu seio, que está pleno de vida; sobre teu coração, pleno de preces… Logo os céus têm um anjo a mais, e a terra um túmulo. Para ti, tudo está quebrado. O presente está cheio de lágrimas, e o futuro não tem mais estrelas a brilhar; o passado volta, mas com a felicidade apagada… faz-se uma noite em teu coração e invocas a morte. No entanto, uma claridade que Deus te envia vem luzir no seio da noite obscura; deveres te são impostos: é a coragem para cumpri-los que te chega; não consola, mas faz viver.
Vós, que compreendeis a amizade, esse santo matrimônio das almas, que vos entregais a essas doçuras praticando vossos deveres, como se vosso amigo fizesse parte de vós mesmos. Se seu coração era vosso sofrimento e vossa alegria, seu braço era vosso apoio nos caminhos difíceis; nos dias de perigos ou de infortúnio ele fugiu covardemente e vos abandonou. Como suportar essa cruel decepção, esse esfacelamento de uma afeição tão sincera, tão devotada de vossa parte? Vossa alma não precisará chamar em vosso socorro a coragem e a resignação?
Pobres caluniados, a respeito de quem o mundo espalha, sem compaixão, o amargor de sua linguagem, que vos tornais presa de seus julgamentos e de seus ódios, cobrindo-vos a fronte virtuosa com a infâmia espalhada por todos os lados! Como poderíeis viver sob os olhares de desprezo e do riso da ironia, essa arma das pessoas sem coração, mas tão cruéis? Quem vos salvará do desespero, se vossa alma corajosa e firme, coberta com o escudo da consciência, não souber olhar o mundo do alto, assim como a águia vê uma tropa de crianças insultando seu voo? Com que coragem permanecereis grandes e dignos em meio a esses vergonhosos clamores? As potências de vossa alma se somam e desprezais, por vossa vez, o mundo, porque ele é asilo dos mais ignóbeis preconceitos, morada de pequenas misérias; porque ele tem calúnias para todas as virtudes e lama para todas as frontes elevadas.
Infelizes de toda sorte, que estais sobrecarregados pelo infortúnio, cuja miséria detém sob as garras da fome, que não tendes onde repousar a cabeça para dormir; vós para quem tudo se tinge de escuridão, que não tendes ao vosso redor um único rosto amigo, nenhuma centelha de esperança, não pareceis destinados ao sofrimento como Prometeu a seu abutre? Dizei se não iríeis pedir à morte um asilo, um lugar de repouso, um fim às vossas torturas, se Deus não derramasse em vossa alma os tesouros de coragem, de firmeza, que elevam acima da desgraça, das dores e da fome?
Quem não admira os efeitos da coragem nos infelizes devorados pela doença? Que, dia após dia, sentem sua vida desvanecer-se e olham sem pestanejar o túmulo entreaberto, dominando, pela calma do espírito, as torturas da matéria? Nós, médicos, cuja função nos chama para junto de tudo o sofre, muitas vezes somos testemunhas de atos de coragem daqueles que morrem no seio da família, ainda mais admiráveis do que muitos grandes fatos imortalizados pela história. Eis aqui um desses fatos que foi publicado pelo Sr. Belouino,1 que ouviu de seu pai, cirurgião chefe de ambulatório, que me sinto feliz por poder repetir.
“Em 1815, após o caso de Roche-Cervières, o Sr. Beauveau, com diversos ferimentos bem graves e perdendo muito sangue, foi levado ao ambulatório onde se encontrava grande número de feridos vadeados (vendéens)2 e também alguns do exército imperial; devido à gravidade de seu estado, o cirurgião quis tratá-lo por primeiro. “Não, Senhor, disse ele, todos esses bravos soldados sem fortuna são mais úteis que eu às suas famílias; se a demora deve ser funesta a alguém, que seja a mim, pois serei atendido por último.” Um de seus antepassados havia feito a mesma coisa num outro campo de batalha.
Eis o que a coragem da resignação, a abnegação de si mesmo e o amor pela humanidade podem fazer: possa um semelhante exemplo encontrar imitadores!
(Extraído do Dictionnaire des facultés intellectuelles de l’âme, 1er vol. Paris. 1849. Traduzido pela equipe do GEAK.)
1. Do livro "Des passions dans leurs rapports avec la réligion, la phyosophie, la physiologie et la medecine natural. Belouino. Paris, 1844. (NT)